Ah!, se do eterno verbo
Eu pudesse amar... Ah!
Ah!, se da cor dormente
Eu pudesse acordar
Estrela-cadente
Na sombra sonora do Teu calcanhar... Ah!
Ah!, se do eterno berro
Eu pudesse gritar,
Feito ferro em brasa
O ouvido esquentar,
Dar asas aos tímpanos
Para nem precisar escutar... Ah!
Ah!, se do eterno ácido
Eu pudesse provar,
Doce de sal
Mais amargo que o fel,
Viajando para sempre
Para além do céu
Como numa eterna
Lua de mel... Ah!
Ah!, se do eterno eco
Eu pudesse me livrar,
Ficando quieto
Para apenas cantar
Aquelas palavras
Que vêm me salvar... Ah!
Ah!, se do eterno ego
Eu pudesse me olhar,
Não sendo tão cego
Me desapegar
Dessa melancolia
Que só me faz lamentar,
Acordar desse sono profundo
Espelhado às dores do mundo... Ah!
Ah!, se do eterno som
Eu pudesse entoar,
Como a sílaba Om
Atravessar esse mar
De mistérios e sombras
Em que vivo naufragado... Ah!
terça-feira, 18 de março de 2008
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
Bloco de Notas
Meu bloco de carnaval
Não cai no aval da avenida;
Que ninguém me leve a mal
- ele vai de bem com a vida.
Ó meu bloco de notas,
De notas tão musicais...
Anotas quase tudo o que notas:
Novas de outros carnavais!
Não cai no aval da avenida;
Que ninguém me leve a mal
- ele vai de bem com a vida.
Ó meu bloco de notas,
De notas tão musicais...
Anotas quase tudo o que notas:
Novas de outros carnavais!
Reticências
nas retinas
a essência
do que não se pode ver;
repentinas
reticências,
presas do prazer...
prazer desapontado,
amiúde no sofrer;
já desponta para
um novo alvorescer!
a essência
do que não se pode ver;
repentinas
reticências,
presas do prazer...
prazer desapontado,
amiúde no sofrer;
já desponta para
um novo alvorescer!
Pensatividade
pensativa
a pessoa
soa como
pensa que voa
voa como
pensa que soa
e a penas
na ativa
vai à tona
a pessoa
soa como
pensa que voa
voa como
pensa que soa
e a penas
na ativa
vai à tona
Simbionte
Nesse mundo de dualidades,
Duas são minhas vozes:
Uma só a verdade,
Inúmeras vezes
Alterada
Por inúmeras viroses
Alternadas...
Uma só é a vontade:
Duas vezes
Enterrada
Por um muro
De atividades
Inatas,
Impregnadas
Pela idéia
Do nada;
Duas são minhas vozes:
Uma só a verdade,
Inúmeras vezes
Alterada
Por inúmeras viroses
Alternadas...
Uma só é a vontade:
Duas vezes
Enterrada
Por um muro
De atividades
Inatas,
Impregnadas
Pela idéia
Do nada;
O poetativo
o poeta por ser
pessoa precisa
não gosta muito
de prosa (pre-
fere uma brisa),
nem gasta tempo
com Rosas sem cor
como é o caso
daquela que roda
sem o menor pudor
ainda assim,
a olhos nus
estagnado,
faz jus ao
seu recado
e, apesar
de um tanto
quanto rec-
atado, se
mantém na
ativa idade
da alma que
sabe ser
eterna:
lanterna
para quem
não sai
da caverna,
poeira
para quem
pode ver
o Sol maior
pessoa precisa
não gosta muito
de prosa (pre-
fere uma brisa),
nem gasta tempo
com Rosas sem cor
como é o caso
daquela que roda
sem o menor pudor
ainda assim,
a olhos nus
estagnado,
faz jus ao
seu recado
e, apesar
de um tanto
quanto rec-
atado, se
mantém na
ativa idade
da alma que
sabe ser
eterna:
lanterna
para quem
não sai
da caverna,
poeira
para quem
pode ver
o Sol maior
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Sobre a origem da poesia
Arnaldo Antunes
"12 Poemas para dançarmos" (12 poems to be danced: 2000
A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem "maçã vermelha", "água boa", "cavalo veloz"; em vez de "a maçã é vermelha", "essa água é boa", "aquele cavalo é veloz". Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em "Marxismo e Filosofia da Linguagem") "o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada 'complexidade' do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc". Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.
Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo
"12 Poemas para dançarmos" (12 poems to be danced: 2000
A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem "maçã vermelha", "água boa", "cavalo veloz"; em vez de "a maçã é vermelha", "essa água é boa", "aquele cavalo é veloz". Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em "Marxismo e Filosofia da Linguagem") "o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada 'complexidade' do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc". Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.
Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo
Zen
de Cristina Villaboi
(Composição: Walter Franco)
"Tá tudo tão torto
mas está tudo bem
tá tudo tão turvo
mas tudo está bem
Tá tudo absurdo
mas tudo tão bem
tá tudo sem tempo
mas tudo está zen"
(Composição: Walter Franco)
"Tá tudo tão torto
mas está tudo bem
tá tudo tão turvo
mas tudo está bem
Tá tudo absurdo
mas tudo tão bem
tá tudo sem tempo
mas tudo está zen"
Cabra-cadáver
Cura-se
Vivo ou morto
Reto ou torto
Altivo ou não:
Um cabra
Com uma bala
Na cabeça;
Um pé-de-cabra
Sem porta
Que se abra;
Um cara
Que se acaba
Com certeza;
Com a certeza
Que desaba
Numa vala!
Vivo ou morto
Reto ou torto
Altivo ou não:
Um cabra
Com uma bala
Na cabeça;
Um pé-de-cabra
Sem porta
Que se abra;
Um cara
Que se acaba
Com certeza;
Com a certeza
Que desaba
Numa vala!
Abra-cadabra
Procura-se
Viva ou morta
Reta ou torta
Ativa ou não:
Uma palavra
Que caiba
Na cabeça;
Uma cabeça
Que saiba
Da Palavra;
Um comentário
Que traga
Uma certeza;
Uma certeza
Que abra
O dicionário!
Viva ou morta
Reta ou torta
Ativa ou não:
Uma palavra
Que caiba
Na cabeça;
Uma cabeça
Que saiba
Da Palavra;
Um comentário
Que traga
Uma certeza;
Uma certeza
Que abra
O dicionário!
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